Pedagogia do Abraço
ou
Como utilizar um simples abraço na práxis de inclusão psicopedagógica.
A cada dia que passa, deparamo-nos cada vez mais com alunos portadores de necessidades especiais em nossas salas de aula. Essa curva crescente pode ser explicada por diversas teorias, que vão da problemática da dependência química entre pais, encostando até numa realidade socioeconômica incapaz de prover alimentação consistente, eficiente e de qualidade para nossas crianças, impactando perigosamente no seu desenvolvimento biológico e intelectual.
Todavia, nem só crianças portadoras de “evidentes” necessidades especiais (surdez, cegueira, subnutrição, Síndrome de Down, paralisia infantil, entre diversas outras), são percebidas de forma também crescente nas salas de aula: há um crescimento bastante interessante (alarmante) na população de crianças hiperativas no ambiente escolar; e, esta criança merece, certamente, no mínimo a mesma atenção (quanto a quantidade) e a abordagem pedagógica competente (qualitativamente) para não só a realização de diagnósticos envoltos à causa, mas ligados à solução e/ou adequação desta criança em todos os anais acadêmicos que ela tem direito (ECA).
Neste texto, sugeriremos uma práxis bastante simples para o desenvolvimento de um processo convalescente objetivo e focado em resultados práticos e perceptíveis numa cronologia de curtos e médios prazos: “A Pedagogia do Abraço”.
A Pedagogia do Abraço na Escola Contemporânea
Hoje em dia, sabemos que as novas gerações de crianças estão, cada vez mais, fadadas a problemas ligados à carência. Carência econômica, estrutural, espiritual e principalmente afetiva.
Os problemas inerentes ao cotidiano (desemprego, alcoolismo, materialismo, ambição, ganância, fome, exclusão social e intelectual, etc.) oscilam por todas as camadas sociais e impactam na criança da mesma forma – ao passo que crianças abastadas não sofrem de fome ou de estresse familiar decorrente do desemprego, problemática comum às comunidades periféricas dos grandes centros, sofrem carências ligadas ao abandono causado pela ganância, pela ambição, pelo egocentrismo materialista dos pais que, muitas vezes priorizam suas carreiras profissionais aos cuidados afetuosos necessários aos seus filhos, e vice-e-verso. Consequentemente, temos um problema transcendente ao cenário econômico, temos um problema afetivo-social.
Uma vez que não se trata de problema econômico, ou exclusivamente econômico, parece mais fácil a busca por soluções. Sabemos que a vida comunitária da criança, seu macro habitat, é trino e consiste no lar, na escola e na comunidade em geral. Aplicando um ingênuo processo de eliminação e entendendo ser certo o foco dos problemas no lar – junto da família, ficamos com outros dois nichos, interligados é verdade, para a aplicação da prática curativa (ou atenuante) que se faz mister na formação de jovens menos problemáticos, mais autônomos e mais seguros: a escola e a comunidade. A comunidade é muito ampla, muito heterogênea e muito inconsistente – é nela que ocorrem as mudanças sociais de micro e macro espectro, é nela que os acontecimentos civis têm sua importância; é na comunidade que o foco sobre o coletivo vem antes do individual, logo, descarta-se também. Sobra-nos a escola, que já chega embasada num sustento ideológico, numa obrigação constitucional de formação, de aperfeiçoamento e de inclusão; é nela que devemos aplicar a Pedagogia do Abraço, sob a batuta dos professores - tão nobres substitutos (e aliados) dos pais na árdua arte de educar.
Terminologia do “Abraço”
Todos sabemos que abraçar significa abrir os braços e receber outrem a si; significa juntar ao peito alguém que queremos bem; segundo o Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa “abraço” significa 1 apertar(-se), cingir(-se) com os braços. 2 cercar, rodear. 3 abranger, conter. 4 entrelaçar-se, o que nos leva a refletir na dimensão deste ato, que de tão utilizado pelas sociedades civilizadas, tornou-se quase vulgar. Vejamos a abrangência do abraço: com ele podemos unir, receber, proteger, abranger, somar e principalmente INCLUIR num mundo então particular – o eu – alguém muitas vezes carente e perdido.
Abraçar, dentro desta pedagogia, nada mais é que trazer o aluno para o meio comum, incluindo-o afetivamente num mundo mais brando, mais protegido, mais unido, mais abrangente e mais humano.
Metodologia e Práxis Cotidiana
Praticar a Pedagogia do Abraço, consiste em cumprir à risca as premissas necessárias para exercer qualquer função acadêmico-educacional, ou seja, ser consciente da importância da tarefa de formar seres sociais e pensantes, que jamais podem ser discriminados, menosprezados, mal influenciados e negligenciados sob qualquer hipótese.
Em a Pedagogia do Abraço, o professor, além de assumir um compromisso com o intelecto do aluno, o que já é previsto, passará a se responsabilizar pela inclusão deste aluno numa realidade afetiva, onde a emoção vale o mesmo que a razão, onde não haverão crianças relegadas a um segundo plano, onde todos serão tratados com prioridade e até emergência, onde o diálogo, o contrato e o abraço far-se-ão constante mister como objeto da convalescença da problemática da exclusão e da carência.
Alunos famintos de amor serão saciados.
É importante lembrar que esta proposta pedagógica embora semelhante, não é a Pedagogia do Amor (de Gabriel Chalita, nosso eminente Secretário da Educação); nem tampouco trata-se de um plágio. Pedagogia do Abraço é uma ferramenta adicional no processo pedagógico geral, que claro, recebeu uma influência bastante aguda da proposta sugerida pelo nosso brilhante Secretário. Pedagogia do Abraço é talvez um dos endossos que processos mais abrangentes, como por exemplo a Pedagogia do Oprimido, poderia receber – uma extensão na questão da inclusão.
A metodologia deste processo pedagógico é muito simples: a princípio, basta muita atenção e interesse para que em primeiro lugar, se possa identificar, conhecer e diagnosticar os grupos de alunos, tal qual perceber as carências inerentes ao coletivo, ao grupo e ainda prever que perfil de consciente coletivo poderá vir a formar-se por aquela união de indivíduos; em segundo lugar, dar-se a chance de conhecer o aluno, um a um, não apenas dando-o a chance de dizer o nome, idade e donde veio (como é comum nas escolas até hoje), delegar ao aluno voz e atitude, permitindo-lhe a expressão, a autonomia e a transparência, discutir o repertório disciplinar com eles e verificar qual e como foi sua aceitação, pesquisar junto ao aluno, enquanto indivíduo qual é a sua origem e extrair das entrelinhas, quais carências cada um trás para dentro da escola. E por fim em terceiro lugar, elaborar um plano de ação que os faça cúmplices do processo educativo e pedagógico – o contrato – sempre envoltos numa práxis pedagógica afetiva onde a intimidade e o “calor humano” do abraço tenham a mesma importância do giz e do quadro-negro. Abraçar literalmente TODOS os alunos, levar até eles este gesto é então a espinha dorsal deste trabalho. Tudo aqui consiste não só em metáforas ou linguagens subjetivas, mas em toque físico, aperto ao peito, entrelace, união e carinho verdadeiro.
Todos alunos devem ser abraçados igualmente, com a mesma força, intensidade e durabilidade – o abraço democrático – que atua no indivíduo mas atinge o todo, entretanto, não se deve esperar devolutivas páreas; cada aluno responderá de uma forma, alguns, os mais comprometidos, seja pela hiperatividade, seja por uma agressividade psicopatológica ou ainda introversão e timidez poderão sequer aceitar o abraço do professor, que deve insistir e persistir, tendo justamente nesses alunos o compromisso/desafio tema de toda esta pedagogia.
O abraço propriamente dito deverá ser ministrado em todas as aulas, por todos professores, no início da hora-aula, de preferência, e repetido se necessário com aqueles que estiverem ainda mostrando-se ou sentindo-se excluídos do universo “contratado” para aquela sala de aula. Foi pensada também a possibilidade de um “momento do abraço” semanal, onde as crianças quebrariam suas vergonhas e abraçariam seus coleguinhas numa espécie de ritual ligado ou à inclusão espiritual, ou reflexiva dos alunos – a sugestão é que este momento seja nas aulas de Educação Física.
Com esta pedagogia em prática, espera-se minimizar a questão da carência afetiva como fator de dissociação da capacidade intelectual e racional dos alunos e ainda transformá-los gradativamente em cidadãos cada vez mais humanos, solidários, participativos e amorosos. É então o abraço, fator preponderante na construção de homens e mulheres que possam dar mais do que receber fazendo assim objetivadas as premissas iniciais da Pedagogia da Libertação e do Oprimido (Paulo Freire).
Carência, Hiperatividade e Abraço
Uma das causas do comportamento hiperativo é a carência afetiva (assim como outros fatores, sejam eles ligados à dislexia, a problemas neuro e psicopatológicos, etc.) e talvez seja esta carência, a causa principal. O professor bem preparado é capaz de exercer este diagnóstico – descobrir qual origem e qual o grau da hiperatividade daquele aluno, e com isso elaborar um plano de ação competente e certeiro para que o problema seja, se não erradicado, ao menos atenuado.
Além da hiperatividade, a carência afetiva, é responsável por um desenvolvimento nocivo na vida da criança – o embrutecimento emocional. É comum vermos crianças cada vez menos lúdicas, aspirando a comportamentos adultos, sem o brilho pueril original nos olhos e demasiado interesse pela violência ou por resolver suas crises através dela. A Pedagogia do Abraço pode ser considerada uma medida profilática nesses casos.
Sabemos que a sabedoria popular nos diz, que um abraço bem dado vale mais que mil palavras e tem um poder confortante sem igual – quem não gosta de ser abraçado ? – então porque não tentar a implementação de um processo tão simples que só pode nos trazer benefícios ?
Referências Ideológicas
O tema aqui abordado é comum aos tempos de hoje. Temos diversas personalidades falando de Pedagogia do Amor, falando de aplicação prática deste amor em sala de aula, mas ainda não tínhamos nos defrontado com nenhuma teoria pedagógica que aplicasse o afeto humano através de uma práxis objetiva e metodológica, quiçá física.
O amor que tanto se professa na pedagogia contemporânea parece, às vezes, algo ideológico, metafísico e subjetivo... algo como aplicar o amor na atividade, fazer com amor, ser amoroso, etc., etc. Aqui falamos de dar abraços para incluir as pessoas – no peito e na sociedade que sonhamos . É objetivo e subjetivo ao mesmo tempo (ver Terminologia do Abraço).
Todavia, não teríamos concebido esta proposta se não fosse:
a extensa bibliografia de Rubem Alves, sempre à cabeceira;
as reflexões de Leonardo Boff , Frei Betto e todos os outros que idealizaram a Teologia da Libertação;
Teilhard de Chardin e o existencialismo cristão;
e finalmente, a proposta pedagógica de Paulo Freire, que visa incluir o cidadão na sociedade através da educação e da autonomia.
É nossa intenção colaborar com o sucesso desta pedagogia.
Conclusão
Um abraço... quanto vale, quanto dura ? Segundos que podem ser inesquecíveis, segundos que aquecem o coração dos carentes de afeto, de abraço, de alguém; carinho sem preço que pode bonificar alguém eternamente e transformá-la em alguém melhor.
Será que custa ?
Façamos do abraço um símbolo perene de amizade, devolvamos a ele sua importância, desmistifiquemos sua vulgaridade e banalidade e o tornemos vital, cheio de importância.
Unamos nossos alunos a nós e entre eles, criemos grupos fortes, sem exclusões. Colaboremos com a causa da hiperatividade, com a causa dos portadores de necessidades especiais, sejamos mais. Sejamos educadores, professores, amigos e referência.
Quanto vale? Talvez toda uma geração...
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Rodrigo Augusto Fiedler
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