sábado, 28 de dezembro de 2019

Ira!

Das ladeiras de Pinheiros para o Mundo...
A década era de setenta, seus últimos anos, 78 talvez. O jovem Edgard (Scandurra) atravessava a cidade para frequentar o universo Punk da Zona Operária do ABC. Lá acontecia a gênese do movimento Punk Paulista, reconhecido entre o gênero, no mundo todo: Cólera, Olho Seco, Garotos Podres, Ratos de Porão e Inocentes... mas havia muito mais. Subúrbio, por exemplo, era uma banda vigorosa que mesclava rifes aos estilo Zeppelin e Sabbath, com escalas simples, ao estilo de Ramones e New York Dolls. Embora a acústica derivasse do Punk estadunidense, o visual era britânico: Rude Boys (cuturnos, calças curtas e esfoladas, camisetas brancas e suspensórios - cabelos? Coloridos e moicanos)... cabe dizer que nesta mesma onda surgira o Movimento Oi e os temidos Carecas do ABC, ou do Subúrbio (Skinheads).
Scandurra estava lá! Bebia de todas as fontes, tocava oficialmente na banda Subúrbio e exercia, mesmo com menos de 20 anos, grande influência sobre os músicos daquela seara e daquela época. Não era para menos, ele era (é) virtuoso.
Um ano depois surgiu Nasi (que coincidentemente, estudava na mesma escola de Edgard, em Pinheiros) uma espécie de Crooner das baladas Punk. Nasi, ou Marcos Valadão, tinha voz rouca e bastante solene, bom inglês e excelente presença de palco. Era o frontman que Edgard precisava para sair dos bolsões operários de Santo André e cair na estrada. O interessante deste encontro é que ambos eram oriundos, egressos eu diria, das ladeiras de Pinheiros. Edgard, como já disse, virtuoso e versátil na guitarra tinha facilidade com melodias, Nasi, por sua vez, escrevia bem e tinha ideias que conjuminavam sempre com as de Edgard. Entre baixistas e bateristas, de 79 a 81 houve um enorme troca - troca, muitos vieram, mas ninguém ficou. Charles Gavin, bom baterista paulista, que já atuava nos estúdios da Teodoro e perambulava pela Galeria do Rock negociando vinis, fez um teste de alto nível com a dupla e ficou. Gaspa, o baixista, substituiu um cara que vinha de vez em quando gravar os baixos com o trio, agradou e, antes de 1982, a banda estava formada: Nasi, Edgard, Gaspa e Charles - nascia o Ira! (bem diferente do que se pensa, o nome da banda NÃO ESTÁ relacionado com o Exército Irlandês de Resistência... era o enaltecimento de um dos sete pecados capitais e, diz a lenda, foi uma homenagem dos meninos - da Rua Paulo - ao Cólera, grande banda daquele cenário).
Em 1985, finalmente um contrato com uma grande gravadora e a banda sai dos pubs e garagens e toma a cidade de São Paulo. Gavin, muito amigo de Marcelo Frommer, dos Titãs (explodindo também com as prévias de Cabeça de Dinossauro) e André Jung, amigo de copo e pó de Nasi, trocam de banda. As formações, no verão de 1986, já eram definitivas.
O Ira! trouxe na segunda metade dos anos oitenta o "Punk Sofisticado" para as rádios e emplacou 3 grandes discos. Mudança de Comportamento, Vivendo e Não Aprendendo e Psicoacústica (disco conceitual de Edgard). Núcleo Base, Tarde Vazia, Tolices, Flores e, claro, Pobre Paulista deram o tom nas esferas que circulavam entre o pop e o underground - o Ira! nunca foi uma banda populesca. Envelheço na Cidade se tornou o "Parabéns a Você" da galera Rocker e o Ira!, com as dezenas de problemas ligados ao alcoolismo e drogadicção de Nasi, entram tímidos nos anos 90. Meninos da Rua Paulo é um disco acima da média. Um oasis no deserto em que o Ira! se transformou nos anos 90. Nasi se bandeou com os "Irmãos do Blues" e Edgard seguiu boa carreira solo com projetos ao lado de Nando Reis e Arnaldo Antunes - coisa que acontece até hoje.
No início dos anos 2000, com Nasi aparentemente recuperado e sóbrio, o Ira! é convidado para um dos mais contundentes discos de Acústicos da MTV Brasileira. Pitty e Samuel Rosa têm presença garantida entre os convidados e, inclusive, a versão de Tarde Vazia com a participação do líder do Skank tornou-se a versão definitiva.
É isso: do Punk ao Pop ninguém cantou São Paulo melhor que o Ira!, nem o Premê ou o Joelho...
Nem o Titãs...
Envelheço na Cidade e Pobre Paulista são hinos intransponíveis. É o cume da montanha do nosso Pobre Rock Paulista (risos).
Rodrigo Augusto Fiedler do Prado, para o Portal Busca da Verdade, coluna "Uma Viagem Musical de A a Z"
http://gbuscadaverdade.org
Presente também em
Texto em homenagem a Luiz Paulo Furtado Junior, amigo das antigas e superfã do Ira!

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